Wednesday, May 23, 2012
"Uma palavra. Disse-a.
Amo-te - uma palavra breve. Quantos
milhões de palavras eu disse durante a vida. E ouvi. E pensei. Palavras com
inteira significação em si, o professor devia ter razão. Palavras que remetiam
umas para as outras e se encostavam umas às outras para se aguentarem na sua
rede aérea de sons. Mas houve uma palavra - m...eu Deus. Uma palavra que eu
disse e repercutiu em ti, palavra cheia, quente de sangue, palavra vinda das
vísceras, da minha vida inteira, do universo que nela se conglomerava, palavra
total. Todas as outras palavras estavam a mais e dispensavam-se e eram uma
articulação ridícula de sons e mobilizavam apenas a parte mecânica de mim, a
parte frágil e vã. Palavra absoluta no entendimento profundo do meu olhar no
teu, palavra infinita como o verbo divino. Recordo-a agora - onde está? Como se
desfez? Ou não desfez mas se alterou e resfriou e absorveu apenas a fracção de
mim onde estava a ternura triste, o conforto humilde, a compaixão. Não haverá
então uma palavra que perdure e me exprima todo para a vida inteira? E não deixe
de mim um recanto oculto que não venha à sua chamada e vibre nela desde os mais
finos filamentos de si? Uma palavra. Recupero-a agora na minha imaginação
doente. Amo-te. Na intimidade exclusiva e ciumenta do nosso olhar mútuo e
encantado. Fecha-nos o lençol na claridade difusa do amanhecer, estás perto de
mim no intocável da tua doçura. Frágil de névoa. Fímbria de sorriso e de receio,
de pavor, no meu olhar embevecido. Uma palavra. A primeira que em toda a minha
vida me esgotou o ser. A que foi tão completa e absorvente, que tudo o mais foi
um excesso na criação. Deus esgotou em mim, na minha boca, todo o prodígio do
seu poder. Ao princípio era a palavra. Eu a soube. E nada mais houve depois
dela."
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